Cortinas coloridas, móveis de design exclusivo e caro, cama 2x2 vazia de nada, com lençóis cor--de-mar sem sal, cozinha bem equipada, onde tachos, panelas, electrodomésticos, sorriam brilhantes como no primeiro dia (porque nunca foram usados).
Um closet do tamanho de um quarto repleto de roupa e sapatos. Espelhos do tamanho de uma parede…
E todos os dias quando chegava a casa ela estava vazia… quando metia a chave à porta tinha sempre a esperança de um dia a luzes estarem acesas e sentir o aroma de um cozinhado vindo da cozinha.
Mas quando chegava, apenas encontrava o escuro e o cheiro a mofo das recordações e da tristeza…
Fecha a porta descalça-se de sorrisos que deixa lá fora para os outros verem. Sobe ao quarto e despe-se das recordações, prepara um banho na esperança que este lhe lave a alma. A água que corre pelo seu corpo confunde-se com as lágrimas que escorrem pelo seu rosto. E chora desalmadamente até se sentir vazia de dor.
Embrulha-se na toalha cor-de-rosa como se de um abraço se tratasse. E fica ali, assim, despida de tudo, frágil, apenas abraçada por um sonho cor de nada.
Olha-se ao espelho e sente raiva. Revolta-se contra o seu corpo e a sua beleza, sente-se seca, e a mulher bela que todos dizem ver para ela não existe. Estilhaça o perfume caro contra o espelho, aninha-se no chão e chora, até lhe faltarem as forças…
Levanta-se, ergue a cabeça, segue até ao closet e escolhe um vestido e sapatos vermelhos. Veste-se e maquilha-se para si mesma… segue para os seus compromissos sociais… um jantar num lugar qualquer, onde todos comem de aparências, comidas requintadas que nem sequer são saboreadas… onde se embriagam de conversas fúteis e vazias. Todos a elogiam, pela sua beleza, pela sua elegância. As mulheres são simpáticas de invejas e falsidades, os homens de desejo. Ela sorri ignorando todos. E todos admiram a sua felicidade, a sua beleza, os seus triunfos e conquistas.
Cansada de futilidades caminha sozinha pelas ruas escuras de uma cidade qualquer, tira os sapatos que lhe ferem a alma, e em bicos de pés chapinha nos charcos de água choca da chuva.
Um homem tropeça nela, pede desculpa, mas ela surda de compreensão, reclama: “não vez por onde andas!” Uma voz tímida mas segura responde: “não vejo, sou cego!”
Ela estremece e sente remorsos, fica estática olhando aquele homem, e de frente para ele repara que ele a olha. Olha-a de uma forma como nunca sentiu que alguém olhasse para ela. Aqueles olhos que parecem perdidos são como espadas a perfurarem-lhe a alma… ela sente vontade de correr, fugir, mas sente-se pregada ao chão, imóvel e assustada. O Homem ergue a mão direita contorna a sua aura, primeiro pelos cabelos longos e pretos depois pelo seus olhos cor-de-azeitona, percorre os rosto e detém-se nos lábios. Ela estremece, não porque ele lhe tivesse tocado o corpo, mas porque sentiu que ele lhe sugou o espírito…
“Porque choras tu menina bonita”
“Eu não choro”
“Teus olhos estão secos de brilho. Teus lábios vermelhos de dor. Teu corpo faz lembrar uma pintura de uma deusa qualquer, mas a tua alma está velha e enrugada. Estás vazia de felicidade e amor, mas atulhada de solidão!”
“E chamam-te a ti cego? Cegos são todos aqueles que se cruzam comigo e dizem conhecer-me. Tu conseguiste ver-me tal como sou, tal como me sinto. Vazia de tudo, farta de nada!”