Esvaziei a casa, queimei as recordações menos boas, na mala coloquei saudades e a experiência, dormi a última noite no chão da sala, sem colchão, de manhã lavei o rosto inchado de tanto chorar, olhei o espelho e disse:
- Está na hora de partir!
Descalça sai de mala na mão tranquei a porta e não olhei para trás, lentamente caminhei com vontade de voltar, mas segui até ao jardim, pousei as tralhas pesadas não pelo volume, mas pelas recordações. Coloquei uma placa a dizer VENDE-SE (se ninguém comprar temos pena), atirei as chaves ao rio e segui à procura de uma nova casa!
Caminho sem saber muito bem para onde, as feridas sangram ardem, tenho que repousar, não tenho onde… fechei a porta, não posso voltar atrás, porque atirei fora a chave daquela história.
Sento-me no passeio… descalça… pés negros de dor… e penso em voltar, porque acredito que alguém me abrirá aquela porta que tanto me custou a deixar para trás… e se não abrir posso sempre ficar enroscada no tapete da entrada a lamber as feridas… de certo que um dia me vão deixar entrar, não quero saber se por pena ou por necessidade, apenas sei que tenho urgência em entrar novamente naquela casa, nem que seja por breves momentos…
Percorro o dia perdida sem saber onde me abrigar, chove devagar as gotas de chuva misturam-se com as lágrimas que me cobrem o rosto.
Onde irei eu aninhar-me de medos e esperanças? e eis que a noite cai, com ela vêm as saudades, os medos, as lembranças e volto para a casa que deixei. Enrosco-me no tapete com a cabeça pousada na mala da vida, lambo as feridas… e eis que a porta se abre e sou convidada a entrar.
Feliz por voltar a entrar naquela casa que já não me pertence lavo-me em esperanças vãs e enganosas e o dia amanhece e saio novamente procurando uma nova casa para habitar.
Ao caminhar descalça arrastando a mala, percebo que as feridas que estavam a cicatrizar reabriram e sangram com mais intensidade, e outras novas surgiram doendo muito mais que as primeiras. Caminho todo o dia sem comer nem beber, apenas quero encontrar um abrigo, um porto seguro. A noite cai, o céu rasga-se e o único lugar para dormir que tenho é um banco de jardim! Deito-me… e adormeço…
Acordo com os primeiros raios da manhã, o sol brilha e os pássaros cantam, está um dia lindo. Reparo que à minha volta existe um jardim fantástico, cheio de flores cor-de-rosa e cor-de-mar e descubro que afinal dormir ao relento pode não ser tão mau assim, pelo menos o dia amanhece radiante e as feridas não doem tanto.
Os meus lábios voltam a sorrir… os meus olhos a brilhar… e sinto borboletas no estômago e asas nos pés.
Encontro alguém que me convida a entrar numa casa que não é nem será a minha, mas também apenas estou de passagem, e sempre é melhor dormir num local abrigado e confortável mesmo que não seja o meu porto de abrigo!
Descubro que ninguém nos alberga apenas por simpatia e gentileza...
E pego na minha mala que não cheguei a desfazer e volto a caminhar com pés cheios de bolhas e feridas a reabrir. Sento-me num muro alto e estreito, pondero em voltar à minha antiga casa, e em tudo o que ela me trará de volta, pondero em dormir ao relento, pondero em procurar uma nova casa…
Depois de chorar e com as lágrimas lavar os pés descalços e negros de dor coloco-me em pé no muro estreito e alto, deixo a mala para trás pesada de recordações, não vou precisar mais daquelas roupas tenho que renovar o guarda-fatos da NOVA CASA, caminho pé ante pé… de vagar, tentando-me equilibrar, abro os braços e começo a flutuar dentro de uma bola de sabão, sinto borboletas no estômago e asas nos pés, sim estou apaixonada, muito, por mim, pela vida. O muro termina e eu continuo a flutuar dentro da bola de sabão. Meto a mão ao bolso e encontro uma chave, a chave da minha nova casa, não é apenas um T1, mas não sei se terá espaço para mais alguém!
De sorriso parvo abro a minha nova casa, não tem nada, está vazia, mas sei que aos poucos vou enche-la com a minha vida!
Sem comentários:
Enviar um comentário