terça-feira, 28 de junho de 2011

Era uma vez uma menina vazia de tudo, farta de nada

Era uma casa com cinco assoalhadas, às vezes tão pequena e atravancada de recordações e medos, outras vezes vazia de sentimentos de amor e felicidade, outras vezes apinhada de recordações e caqueiros cheios de medos inúteis!

Cortinas coloridas, móveis de design exclusivo e caro, cama 2x2 vazia de nada, com lençóis cor--de-mar sem sal, cozinha bem equipada, onde tachos, panelas, electrodomésticos, sorriam brilhantes como no primeiro dia (porque nunca foram usados).
Um closet do tamanho de um quarto repleto de roupa e sapatos. Espelhos do tamanho de uma parede…
E todos os dias quando chegava a casa ela estava vazia… quando metia a chave à porta tinha sempre a esperança de um dia a luzes estarem acesas e sentir o aroma de um cozinhado vindo da cozinha.
Mas quando chegava, apenas encontrava o escuro e o cheiro a mofo das recordações e da tristeza…
Fecha a porta descalça-se de sorrisos que deixa lá fora para os outros verem. Sobe ao quarto e despe-se das recordações, prepara um banho na esperança que este lhe lave a alma. A água que corre pelo seu corpo confunde-se com as lágrimas que escorrem pelo seu rosto. E chora desalmadamente até se sentir vazia de dor.
Embrulha-se na toalha cor-de-rosa como se de um abraço se tratasse. E fica ali, assim, despida de tudo, frágil, apenas abraçada por um sonho cor de nada.
Olha-se ao espelho e sente raiva. Revolta-se contra o seu corpo e a sua beleza, sente-se seca, e a mulher bela que todos dizem ver para ela não existe. Estilhaça o perfume caro contra o espelho, aninha-se no chão e chora, até lhe faltarem as forças…

Levanta-se, ergue a cabeça, segue até ao closet e escolhe um vestido e sapatos vermelhos. Veste-se e maquilha-se para si mesma… segue para os seus compromissos sociais… um jantar num lugar qualquer, onde todos comem de aparências, comidas requintadas que nem sequer são saboreadas… onde se embriagam de conversas fúteis e vazias. Todos a elogiam, pela sua beleza, pela sua elegância. As mulheres são simpáticas de invejas e falsidades, os homens de desejo. Ela sorri ignorando todos. E todos admiram a sua felicidade, a sua beleza, os seus triunfos e conquistas.

Cansada de futilidades caminha sozinha pelas ruas escuras de uma cidade qualquer, tira os sapatos que lhe ferem a alma, e em bicos de pés chapinha nos charcos de água choca da chuva.
Um homem tropeça nela, pede desculpa, mas ela surda de compreensão, reclama: “não vez por onde andas!” Uma voz tímida mas segura responde: “não vejo, sou cego!”
Ela estremece e sente remorsos, fica estática olhando aquele homem, e de frente para ele repara que ele a olha. Olha-a de uma forma como nunca sentiu que alguém olhasse para ela. Aqueles olhos que parecem perdidos são como espadas a perfurarem-lhe a alma… ela sente vontade de correr, fugir, mas sente-se pregada ao chão, imóvel e assustada. O Homem ergue a mão direita contorna a sua aura, primeiro pelos cabelos longos e pretos depois pelo seus olhos cor-de-azeitona, percorre os rosto e detém-se nos lábios. Ela estremece, não porque ele lhe tivesse tocado o corpo, mas porque sentiu que ele lhe sugou o espírito…
“Porque choras tu menina bonita”
“Eu não choro”
“Teus olhos estão secos de brilho. Teus lábios vermelhos de dor. Teu corpo faz lembrar uma pintura de uma deusa qualquer, mas a tua alma está velha e enrugada. Estás vazia de felicidade e amor, mas atulhada de solidão!”
“E chamam-te a ti cego? Cegos são todos aqueles que se cruzam comigo e dizem conhecer-me. Tu conseguiste ver-me tal como sou, tal como me sinto. Vazia de tudo, farta de nada!”

Deram as mãos e caminharam. Ela sem sapatos ele sem a bengala de invisual!
                                                                                                                                                                                                                                                                             

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Amor ou doença

Amor e ódio caminham de mãos dadas!
Amor que se transforma em posse,
Em querer tudo,
Em possuir o outro como se quer possuir a própria vida.
Este amor que se torna doentio
Porque não se sabe medir as distância do certo e do errado,
Da doença e da sanidade
Não se medem medos e inseguranças.
O medo de perder
O medo da exclusividade
O medo de não ser o centro do teu mundo (quando tu te transformaste o centro do meu universo).
Quando se deixa de gostar mais de nós
E se passa a gostar mais do outro
Amor e ódio caminham de mão dadas,
Pois os sentimentos misturam-se num turbilhão
E simplesmente perde-se a razão!
Será que vale a pena amar assim alguém?
Será isto realmente amar?
Quando amamos sem medos:
O sol brilha,
Os pássaros cantam e o céu é azul,
As flores e as árvores bailam numa melodia de encantar,
A lua ilumina os meus passos,
O mar sussurra-me ao ouvido versos doces
E cada estrela no céu são beijos teus!
Quando o medo e a insegurança me assaltam
A minha sombra incomoda-me e assusta-me,
O céu fecha-se,
Sem sol, sem lua
E cada estrela é um medo
Uma recordação
Um castigo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Fechar a porta


Esvaziei a casa, queimei as recordações menos boas, na mala coloquei saudades e a experiência, dormi a última noite no chão da sala, sem colchão, de manhã lavei o rosto inchado de tanto chorar, olhei o espelho e disse:

- Está na hora de partir!

Descalça sai de mala na mão tranquei a porta e não olhei para trás, lentamente caminhei com vontade de voltar, mas segui até ao jardim, pousei as tralhas pesadas não pelo volume, mas pelas recordações. Coloquei uma placa a dizer VENDE-SE (se ninguém comprar temos pena), atirei as chaves ao rio e segui à procura de uma nova casa!

Caminho sem saber muito bem para onde, as feridas sangram ardem, tenho que repousar, não tenho onde… fechei a porta, não posso voltar atrás, porque atirei fora a chave daquela história.
Sento-me no passeio… descalça… pés negros de dor… e penso em voltar, porque acredito que alguém me abrirá aquela porta que tanto me custou a deixar para trás… e se não abrir posso sempre ficar enroscada no tapete da entrada a lamber as feridas… de certo que um dia me vão deixar entrar, não quero saber se por pena ou por necessidade, apenas sei que tenho urgência em entrar novamente naquela casa, nem que seja por breves momentos…
Percorro o dia perdida sem saber onde me abrigar, chove devagar as gotas de chuva misturam-se com as lágrimas que me cobrem o rosto.
Onde irei eu aninhar-me de medos e esperanças? e eis que a noite cai, com ela vêm as saudades, os medos, as lembranças e volto para a casa que deixei. Enrosco-me no tapete com a cabeça pousada na mala da vida, lambo as feridas… e eis que a porta se abre e sou convidada a entrar.
Feliz por voltar a entrar naquela casa que já não me pertence lavo-me em esperanças vãs e enganosas e o dia amanhece e saio novamente procurando uma nova casa para habitar.
Ao caminhar descalça arrastando a mala, percebo que as feridas que estavam a cicatrizar reabriram e sangram com mais intensidade, e outras novas surgiram doendo muito mais que as primeiras. Caminho todo o dia sem comer nem beber, apenas quero encontrar um abrigo, um porto seguro. A noite cai, o céu rasga-se e o único lugar para dormir que tenho é um banco de jardim! Deito-me… e adormeço…

Acordo com os primeiros raios da manhã, o sol brilha e os pássaros cantam, está um dia lindo. Reparo que à minha volta existe um jardim fantástico, cheio de flores cor-de-rosa e cor-de-mar e descubro que afinal dormir ao relento pode não ser tão mau assim, pelo menos o dia amanhece radiante e as feridas não doem tanto.
Os meus lábios voltam a sorrir… os meus olhos a brilhar… e sinto borboletas no estômago e asas nos pés.

Encontro alguém que me convida a entrar numa casa que não é nem será a minha, mas também apenas estou de passagem, e sempre é melhor dormir num local abrigado e confortável mesmo que não seja o meu porto de abrigo!
Descubro que ninguém nos alberga apenas por simpatia e gentileza...
E pego na minha mala que não cheguei a desfazer e volto a caminhar com pés cheios de bolhas e feridas a reabrir. Sento-me num muro alto e estreito, pondero em voltar à minha antiga casa, e em tudo o que ela me trará de volta, pondero em dormir ao relento, pondero em procurar uma nova casa…

Depois de chorar e com as lágrimas lavar os pés descalços e negros de dor coloco-me em pé no muro estreito e alto, deixo a mala para trás pesada de recordações, não vou precisar mais daquelas roupas tenho que renovar o guarda-fatos da NOVA CASA, caminho pé ante pé… de vagar, tentando-me equilibrar, abro os braços e começo a flutuar dentro de uma bola de sabão, sinto borboletas no estômago e asas nos pés, sim estou apaixonada, muito, por mim, pela vida. O muro termina e eu continuo a flutuar dentro da bola de sabão. Meto a mão ao bolso e encontro uma chave, a chave da minha nova casa, não é apenas um T1, mas não sei se terá espaço para mais alguém! 

De sorriso parvo abro a minha nova casa, não tem nada, está vazia, mas sei que aos poucos vou enche-la com a minha vida!